O que é possível aprender subindo uma montanha?
Aleatoriedades pensadas e discutidas durante uma excursão ao Monte Roraima.
Longe de ser um domínio exclusivo de filósofos, as filosofias mais autênticas se manifestam na simplicidade dos atos, como em uma caminhada por entre savanas ou subindo uma montanha.
Neste post, exploro ideias e conceitos que não foram apenas discutidos, mas vivenciados durante nossa expedição ao Monte Roraima.
Grupo de Trilha e Discussão:
Marketing Existencial
Vivenciamos uma situação cômica que ilustra a necessidade humana de atribuir complexidade e significado às experiências vividas.
Ao alcançarmos o mirante capturado na foto abaixo, Gregório indagou ao nosso guia, Andres, sobre o cenário à nossa frente, claramente com o objetivo de identificar o país ao qual estávamos contemplando e conhecer os nomes das montanhas à distância.
Com uma resposta imediata, nosso guia replicou com simplicidade: "Árvores e Montanhas."
A busca pelo nome das coisas, como no exemplo de querer saber o nome de uma montanha ao invés de apenas contemplá-la, está enraizada na natureza humana e pode ser explicada por diferentes motivos psicológicos e culturais.
Curiosidade: Os seres humanos têm uma curiosidade inata e um desejo de compreender o mundo ao seu redor. Atribuir nomes a objetos e lugares é uma forma de organizar e dar significado à complexidade do ambiente.
Compartilhamento: Conhecer o nome de algo facilita a comunicação. Ao saber o nome de uma montanha, por exemplo, podemos compartilhar essa informação com os outros, o que fortalece os laços sociais e a transmissão de conhecimento.
Controle: Conhecer o nome de algo pode proporcionar um senso de controle e domínio sobre o ambiente. Ao nomear, conseguimos categorizar e compreender, o que pode reduzir a incerteza e aumentar o sentimento de segurança.
Cultural e Social: Em muitas culturas, a nomenclatura é valorizada como uma forma de reconhecimento e identidade. Saber o nome de algo pode ser uma maneira de se conectar com a cultura, história ou mitologia associada a esse objeto.
Busca de Significado: Associar nomes às coisas pode fazer parte da busca humana por significado. Ao conhecer o nome de uma montanha, por exemplo, podemos buscar informações sobre sua história, geologia ou importância cultural, adicionando camadas de significado à nossa experiência.
Além dessa situação, examinamos as variadas razões que nos conduziram àquela expedição. Dentre as motivações discutidas, contemplamos a influência de anúncios online, as recomendações de amigos, o impacto de influenciadores digitais, o papel desempenhado pelas redes sociais e um possível chamado da montanha.
O conceito de turismo não foi criado pelo marketing, mas o marketing desempenhou um papel significativo na evolução e promoção da indústria do turismo ao longo do tempo. Viajar, como atividade, tem raízes históricas, com as pessoas viajando por razões diversas, incluindo comércio, religião, educação e até mesmo sobrevivência, ao longo dos séculos. No entanto, a formalização e a comercialização da indústria do turismo ganharam impulso nos séculos XIX e XX, coincidindo com o desenvolvimento do marketing moderno.
O marketing contemporâneo tem conferido novos significados e valores a essa atividade, outrora guiada por propósitos mais diretos. Além dos objetivos convencionais, como lazer e negócios, emergem conceitos mais profundos. Dentre esses significados criados pelo marketing, destacam-se o estímulo ao autoconhecimento, a busca pela superação pessoal, e a procura por experiências enriquecedoras que transcendem o mero deslocamento geográfico.
Seja movido por um chamado interior ou influenciado por campanhas de marketing, o fato é que, ao alcançarmos a montanha, respondemos a um apelo, seja ele intrínseco ou externo.
Estoicismo e Ataraxia
Embora alguns integrantes do grupo possivelmente desconhecessem o nome do conceito, muitos demonstraram viver em consonância com uma filosofia estoica, especialmente manifestando um comportamento ataráxico diante das instabilidades climáticas encontradas na montanha.
Ataraxia é um termo derivado do grego antigo que se refere a um estado de tranquilidade e imperturbabilidade da alma. É um conceito associado à filosofia estoica, que busca a paz interior e a serenidade diante das adversidades da vida. Na perspectiva estoica, ataraxia é alcançada pela aceitação racional das circunstâncias, pela moderação nas emoções e pela busca de virtude.
Sêneca, um filósofo estoico, enfatizou a importância de cultivar a ataraxia por meio da autodisciplina e da racionalidade. Ele argumentava que a verdadeira felicidade reside na capacidade de manter a calma e a serenidade, independentemente das dificuldades externas. Sêneca abordava a ataraxia como uma conquista interior, destacando que a verdadeira liberdade reside na mente imperturbável.
Epicteto, outro filósofo estoico, também contribuiu para a compreensão da ataraxia. Ele ensinava que a verdadeira liberdade está na capacidade de controlar as próprias reações emocionais diante das circunstâncias externas. Para Epicteto, ataraxia é resultado da aceitação serena do que não pode ser mudado e do foco no desenvolvimento da virtude.
No decorrer da trilha também houve um mal-entendido em relação à filosofia estoica, erroneamente associando o conceito de ataraxia ao conformismo. Embora não tenhamos aprofundado sobre o assunto no decorrer da expedição, é importante fazer a distinção.
Os estoicos ensinam que aceitar o destino é uma parte fundamental da filosofia. Isso não significa resignar-se passivamente, mas sim abraçar as circunstâncias da vida com uma mente serena e uma compreensão racional. Aceitar o destino, na visão estoica, está alinhado com viver em harmonia com a natureza. Isso envolve reconhecer que há coisas que estão além do nosso controle, como o clima em uma montanha e que devemos direcionar nossos esforços para aquilo que podemos controlar, como nossas próprias atitudes e escolhas.
Ao contrário do conformismo, que pode envolver uma aceitação passiva e resignada, a aceitação do destino na perspectiva estoica não implica inação ou falta de responsabilidade, o que alguns poderiam definir como uma filosofia de “Classe Média”. Os estoicos enfatizam a importância de agir virtuosamente, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Aceitar o destino não significa deixar de agir, mas sim agir com sabedoria e virtude diante do que se apresenta.
Nosso guia, Andres Ivan, personifica muito bem esses princípios do estoicismo. Sua contribuição para as discussões foi valiosa, mas também caminhamos em silêncio por longas horas. Mesmo sob o ônus de carregar mais peso e a responsabilidade pela vida de outras nove pessoas durante os oito dias da expedição, não proferiu uma única palavra negativa.
O destino é um extra. Andres Ivan
Ainda dentro das discussões que envolveram a filosofia estoica, Rachel adicionou dois ingrediente muito importante à discussão: Determinação e Coragem.
Esses dois pilares são essenciais para o enfrentamento das adversidades, contudo, além desses atributos, ela também demonstrou outros três comportamentos que nos ajudam a compreender o pensamento estoico:
Senso de Humor: Encarar os desafios com uma atitude leve e humorística pode ser visto como um reflexo da resiliência estoica.
Desconstrução das Preocupações Futuras: A alegria muitas vezes está vinculada à capacidade de viver o momento presente. A filosofia estoica encoraja a não se preocupar excessivamente com o futuro, focando nas ações no presente. Isso pode levar a uma alegria mais genuína ao experimentar e apreciar o que está acontecendo agora.
Relacionamento com os Outros: Os estoicos reconheciam a importância das relações interpessoais e da compaixão. Rir com os outros, compartilhar alegrias e apoiar uns aos outros em momentos difíceis reflete valores estoicos de empatia e conexão humana.
Qual o lugar mais bonito que você já visitou?
Frequentemente, me deparo com essa pergunta, mas desta vez, ela foi dirigida a outra pessoa, e a resposta que ouvi capturou minha atenção.
A resposta, em essência, apontou para o Monte Roraima como o melhor e mais belo lugar, argumentando que o ápice da beleza reside exatamente onde nos encontramos no momento presente. Em suas palavras, o passado não existe. Embora as palavras exatas variem, a essência da resposta permaneceu fiel.
O autor da frase:
Ilusão de Potencial
Será que uma única viagem tem o potencial de alterar uma pessoa?
Inspirados por um livro que eu acabara de ler, abordamos a ilusão do potencial e discutimos como podemos nos iludir ao pensar que uma única viagem pode transformar completamente a vida de alguém.
Muitas vezes, tendemos a superestimar nossas próprias habilidades e capacidades, acreditando erroneamente que somos mais proficientes em algo do que realmente somos. Essa ilusão se manifesta na crença equivocada de que possuímos um potencial inexplorado que aguarda ser "desbloqueado". Um exemplo dessa concepção errônea é a falsa noção de que utilizamos apenas 10% do nosso cérebro.
Outro fenômeno associado a essa ilusão é o conhecido "Efeito Mozart", popularizado por uma pesquisa mal estruturada que afirmava erroneamente que ouvir música clássica poderia aumentar a capacidade cognitiva dos ouvintes. Essa pesquisa foi subsequentemente refutada por estudos posteriores, incluindo uma meta-análise que compilou os resultados de diversas pesquisas similares. Apesar disso, uma parcela significativa da população ainda acredita nesse efeito, sendo enganada por ele em situações cotidianas.
Coincidências, Amor e Sofrimento
Após deixarmos para trás as análises sobre os motivos que nos levaram em direção à montanha, passamos a discutir as coincidências e eventos que nos conduziram a alcançar o topo da montanha naquele período específico. Abordamos as circunstâncias únicas que reuniram as pessoas envolvidas nas discussões até então, discutindo as interconexões que deram forma à nossa “equipe”.
"O desenho de nossas vidas, como a chama de uma vela, é continuamente conduzido em novas direções por diversos eventos aleatórios que, juntamente com nossas reações a eles, determinam nossos destino." Leonard Mlodinow (O Andar do Bêbado)
Já no carro em direção ao Brasil, discutimos a respeito do amor: Vale a pena amar?
O amor, muitas vezes descrito como uma das emoções mais poderosas e transcendentes, é capaz de proporcionar uma alegria indescritível, conexões significativas e um sentido de pertencimento. Amar e ser amado são experiências que nutrem a alma, oferecendo momentos de êxtase e realização que parecem transcender as limitações do tempo e do espaço.
Contudo, essa narrativa idílica do amor é contrabalançada pela sombra do sofrimento. O amor não é imune às dores do desgosto, da perda e da vulnerabilidade. O ato de abrir o coração para outro ser humano implica aceitar a possibilidade de feridas emocionais, despedidas dolorosas e a inerente fragilidade das relações humanas.
O vento apaga as velas e aumenta as fogueiras. Bárbara
O filósofo francês Albert Camus, em sua obra "O Mito de Sísifo", explorou a ideia de que o ato de amar, mesmo diante do inevitável sofrimento, pode conferir um significado profundo à existência. Ele sugeriu que a consciência plena da finitude e da imperfeição humana, somada à escolha consciente de amar apesar disso, é uma forma de rebelião contra o absurdo da condição humana.
A discussão entre o amor e o sofrimento, portanto, transcende uma análise puramente racional. Tocamos na essência da humanidade, onde emoções complexas e paradoxos se entrelaçam. Vale a pena amar? A resposta pode residir na aceitação da dualidade inerente a essa experiência. Ao abraçar o amor, também acolhemos a possibilidade do sofrimento, e é nesse abraço corajoso que muitos encontram um significado profundo e uma riqueza única na jornada da vida.
César, Eu, Rachel, Bárbara e Andres, também conhecidos com G4 ou “Galera”:
Ao término da discussão, decidi indagar ao motorista sua opinião acerca dos temas que estávamos abordando. Com lágrimas nos olhos, ele expressou que nos considerava pessoas inteligentes e que aquela fora a viagem mais enriquecedora que já conduzira entre Santa Helena e Boa Vista. Sua resposta nos surpreendeu, e reagimos com aplausos diante do impacto positivo que a conversa teve em sua perspectiva.
Conclusão
O potencial transformador de uma viagem transcende além das paisagens e das fotos compartilhadas em redes sociais; ele reside na troca de ideias, na reflexão profunda e nas interações que desafiam nossas perspectivas. A cada passo dado e a cada conversa realizada, percebemos que esses momentos se tornam catalisadores para uma compreensão mais profunda das complexidades da vida, do amor, do sofrimento e da filosofia que permeia nosso existir. Contudo, é preciso compreender que o verdadeiro potencial transformador não está em um local específico ou em uma viagem única viagem, mas sim na arte de viver com abertura para novos aprendizados e perspectivas.
Referências:
The Invisible Gorilla
Sobre a tranquilidade da alma por Sêneca
Cartas a Lucílio por Sêneca
Marketing Existencial por Pondé
Manual de Epicteto por Epicteto
O Mito de Sífifo por Albert Camus